A criação dos círculos uninominais nas eleições para a Assembleia da República é defendida como uma reforma capaz de aproximar os cidadãos dos eleitos, que hoje se limitam a ser meros funcionários partidários, ao serviço do partido e do chefe, em quem de facto os eleitores votam, fazendo pouco ou nenhum caso dos nomes que compõem as listas, como bem esta semana declarava um “expert” na questão, o Dr. Marques Mendes.
Concordo que a salvação do nosso sistema democrático passa pela sua oxigenação através da introdução de mecanismos que aumentam a representatividade e aproximem os cidadãos dos eleitos.
A introdução dos círculos uninominais poderia ajudar a aproximar cada deputado dos eleitores do respectivo círculo, que assim saberiam perfeitamente quem os representa e a quem pedir contas.
Porém, a eleição por círculos uninominais não garantiria, por si só, um suficiente grau de autonomia e independência do eleito face ao partido pelo qual concorre, libertando-o da vassalagem partidária que domina a acção dos nossos deputados.
Se antes de se submeterm a sufrágio, os candidatos têm que ser indicados pelos partidos, tal como o são actualmente, a simples alteração do sistema eleitoral não garante à partida o aumento da autonomia do deputado e a maior representatividade do sistema.
O cerne da questão parece residir desde logo no processo de escolha dos candidatos. Nos Estados Unidos da América ( em alguns Estados, não todos), as eleições para a Câmara dos Representantes também por sistema de círculos uninominais (single-member district), são precedidas de primárias entre os concorrentes de cada partido à candidatura, no fundo o mesmo sistema usado nas Presidenciais americanas.
Este sistema garante maior representatividade, porque a própria escolha dos candidatos tem logo a participação dos cidadãos, dando desde logo representatividade ao candidato e um peso político próprio que transcende em muito aquele que teria se tivesse sido meramente indicado pelo partido.
Os círculos uninominais levantam ainda outra questão. Mesmo que mitigados pela existência de um círculo nacional, podem facilitar a formação de maiorias parlamentares de um só partido. Uns dirão que isso é positivo porque tende a criar condições de estabilidade e governabilidade.
Esta ideia até pode fazer sentido, mas na prática o que o exemplo Português demonstra é que as maiorias parlamentares são é especialmente favoráveis à captura do estado pelo partido da maioria e à redução do pluralismo democrático, não resultando em qualquer exercício de boa governação.
Estas questões estão na ordem do dia e há o sentimento de urgência de que a introdução de alterações no nosso sistema democrático, são indispensáveis à sobrevivência da nossa democracia.
Contudo, há sinais (os “signs”), de que a oxigenação da nossa democracia passa eventualmente por outros caminhos. Atente-se aos apelos de todos os lados para soluções governativas assentes em coligações partidárias, a consensos alargados e a entendimentos em torno de questões essenciais e estruturantes.
Apelos estes a que, os partidos do regime (que no fundo são todos sem excepção os que estão representados na AR), são completamente insensíveis, porque são partidos de natureza monopolista, sem a menor capacidade de partilhar seja o que for.
Da Europa também vêm esses “signs”. O governo alemão é sustentado por uma coligação de 3 partidos; O Governo Sueco é sustentado por uma coligação de 3 partidos; O governo Italiano é sustentado por uma coligação de 3 partidos; O governo Norueguês é sustentado por uma coligação de 3 partidos; na Holanda também 3 e o Inglês é sustentado por uma coligação de dois partidos. Só para referir alguns exemplos.
Os governos de coligação, tradicionalmente criados em épocas de guerra ou crise, são cada vez mais a regra na Europa.
O ciclo político que se iniciará a 5 de Junho com as eleições legislativas, será provavelmente um ciclo curto, devido às condições difíceis e impopulares em que o governo terá que governar. Mesmo que se forme uma coligação alargada, a cultura partidária dominante, intriguista e fraccionária, não permitirá grande longevidade à coligação.
Os sinais de cansaço destes partidos e o seu afastamento dos eleitores, que se acentuará no aumento da abstenção e do voto em branco nas próximas eleições, abrirão eventualmente caminho para que nos 2 anos seguintes aparecem novas formações partidárias. Eventualmente resultantes do amadurecimento dos movimentos cívicos, de que já se vêm os embriões, ou mesmo de fracturas nos partidos existentes.
O aparecimento de novos movimentos, poderá provocará a pulverização dos votos (como já aconteceu nas últimas presidenciais), e, paulatinamente, abrir caminho à regeneração do nosso sistema político-partidário.
Os partidos existentes, e sei do que falo, são incapazes de se renovar por dentro e dificilmente podem fazer diferente e melhor do que têm efeito.
Saudações Farenses
Miguel Sengo da Costa